quarta-feira, outubro 16, 2013

O factor Lupicínio

O falhanço amoroso pode ser uma coisa boa. Na maior parte das vezes, é. E não falo de lições de vida mas de oportunidades de auto-conhecimento. De reconhecimento, até. Como dizia Vinicius, «Ai de quem não rasga um coração/ Esse não vai ter perdão».
Nesse aspecto, urge conhecer Lupicínio Rodrigues. Ele é nosso cúmplice. Ele é nosso parceiro. Ele é nosso camarada de armas, o que se rende ao nosso lado e que depois da rendição continua a sonhar com a batalha. No amor, Lupicínio é um tirocínio.
As suas canções são hinos, gloriosos na sua ostentação da modéstia e sumptuosos na singeleza dos afectos: há raiva, há ciume, há sacanice, há abandono. A força destes sentimentos em bruto abalam-nos porque crescemos a evitá-los. Temos pudor do que nos é primevo. Lupicínio não tem pudor nem vergonha. É um Shakespeare dos pobres, que privado de metáforas e vocabulário, trata as coisas exactamente como elas são.
Lupicínio é dos que perde.
 Passando há algum tempo por uma desilusão amorosa foi quase sem surpresa que descobri a origem da expressão “dor de cotovelo”. Tem um sentido diferente daquele em que a usamos, que é o da inveja ou o do ciúme. «Dor de cotovelo» foi cunhado por Lupicínio para designar o excesso de tempo passado ao balcão do boteco, sozinho a pensar no que foi e no que podia ter sido. É o retrato infalível do tipo que fica até o bar fechar, a beber o desgosto e a segurar a cara e o coração.
Podemos encontrar algo semelhante em Sinatra, que de resto transformou este estado de vida numa arte maior. Mas Sinatra é especialista em passar-nos a sua vida (o que está a cantar), de tal forma que nos confundimos com ele. Quando ouvimos Lupicínio estamos perante um tipo que sofre – exactamente naquele momento. E o que reconhecemos é o seu sofrimento.
O cancioneiro de Lupicínio Rodrigues é a wikipedia do falhanço. E é por isso que ele nos é tão urgente: para nos dar a possibilidade de falhar outra vez e nem sempre melhor.

http://www.youtube.com/watch?v=MByVS9mhvzU