sexta-feira, junho 15, 2007

As coisas não precisam ser ditas
Por vezes penso que o único ditador de jeito seria Wittgenstein. Pronto, talvez não ditador (pelo que se sabe o mau feitio transformado em Estado não é fácil; e o bom então é insuportável), mas pelo menos ideólogo. O verdadeiro tirano, a que obedeceria sem pestanejar, seria Beckett.
O único respeitado, o pioneiro. Uma espécie de Cortez da linguagem, sem os massacres ou rios de sangue. Só o exemplo, só a certeza de que a linguagem só vale alguma coisa por ser a única maneira. E mesmo assim: bem a tentamos depurar, que nada. Bem a tentamos evitar que está quieto.
Ainda há pouco reparei num rosto, num olhar: o que me resta disso que poderei dizer? As palavras, num mundo ideal, serviriam apenas para apontar aquilo que não conseguimos dizer. O invisivel, o indizivel. Não é por acaso que existem poetas, ou escritores com quem nos identificamos. Será pelo que escrevem? Nunca: é sempre pelo que deixam de escrever.
Estou a pensar em hoje e agora: eu, que faço do que estais a ler o meu ganha-pão, não consegui nem nunca conseguirei dizer o que me estava na alma. E o drama é que nada mais basta: haja outros meios de expressão, que esbarrarremos sempre com o Ceci N’est Pas une Pipe. E não chega, não serve, mesmo para quem passeia por este teclado, por quem assobia pelas florestas de palavras alheias, por quem admira canções, por quem sempre procura nos outros aquilo que tragicamente os outros não foram capazes de dizer melhor do que aquilo que disseram.
Variações emocionais para Oscar Wilde, ainda a tempo de serem rectificadas: todas as palavras são inúteis.
É o que fica por dizer, mais nada.

quarta-feira, junho 13, 2007

Da série «Torquemada vai ao bairro da Bica no 12 de Junho à noite»

'Ao que parece, todo o meu trabalho não serviu de lição a ninguém'.
Depois de ter assistido a mais um massacre de Santo António

When I carefully consider the curious habits of dogs
I am compelled to conclude
That man is the superior animal.

When I consider the curious habits of man
I confess, my friend, I am puzzled.


Ezra Pound

domingo, junho 10, 2007

O professor Lamechas recomenda
Esta excelente canção dos The Dears:22: The Death Of All Romance. A canção, para além de boa, é servida por um vídeo cujo grau de lamechice é quase inumano. A evitar por quem tem corações em vias de serem partidos.

[nota de majorscobie] Até que enfim que este cromo acerta nalguma coisa.A canção é mesmo excelente, quase gainsbourguiana e ...
Faça favor de se ir embora.
O poder das efemérides: 10 de Junho, pela primeira vez a ganhar todo o sentido.

Tanto de meu estado me acho incerto,

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que, em vivo ardor, tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando;
Num'hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um'hora.

Se me pergunta alguém, porque assi ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

Luís Vaz de Camões, com dedicatória óbvia e um estranho mas sentido agradecimento a Maya, a taróloga.