sexta-feira, dezembro 16, 2005

DA SÉRIE «GUILTY PLEASURES», nº43 : Dançar freneticamente ao som de 'Fame'.
I COULD HAVE DANCED ALL NIGHT Junto-me oficialmente aos encómios generalizados pela extraordinária festa destes senhores. Há muito tempo que não via o Frágil assim - e acreditem: muito tempo é mesmo isso -, com uma overdose de entusiasmo e amor ao próximo que ficou muito bem nesta quadra. Foi bom rever velhos e novos amigos, apreciar a excelente selecção musical - de um reaccionarismo esclarecido - e sobretudo voltar a dançar (mas só confirmo isto com intimação legal ou provas fotográficas). A coisa estava tão boa que quando infelizmente acabou tive de continuar a fazer figuras tristes noutro lugar. Venha a próxima.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

EXCERTO DE UM CADERNO ANTIGO Perdemos o que somos na fronteira da palavra. Existe a alma, existirá sempre a alma, mas qual de nós o pode dizer? (caderno Âmbar negro, 1987)


LAURA Ao contrário do que geralmente acontece na vida, em arte é bom regressarmos aos lugares onde fomos felizes: com a idade, e se o encanto é sincero, descobrimos sempre novos motivos para o deslumbre. Assim foi com Laura, filme pessoal de eleição, visto e revisto vezes sem conta mas a que voltei neste fim de semana com os mesmos olhos de espanto. É um filme formalmente quase perfeito, arquétipo do film noir mas com a actriz mais luminosa de todos os tempos - Gene Tierney. Preminger, o realizador, sabia-o.É por isso que o rosto de uma impossível beleza de Tierney é o contraste para as sombras que pairam no filme. Tudo para acentuar o terrível negrume subterrâneo que corre sob toda a história: Laura é, antes de tudo, a história de uma paixão necrófila. Mas é também, e isso não é menos importante, a história de um homem que se apaixona por vestígios, por ideias de um rosto, memórias que lhe são alheias - deixando impotentes todos os outros que a amaram e viveram essas memórias.

E depois há tudo o resto: a música fantasmagóricamente bela de David Raskin (oiça-se a versão com letra de Johnny Mercer cantada por Sinatra no superlativo Where Are You?); o casting perfeito; o ambiente alta burguesia corrupta vs polícia lumpen honesto; Gene Tierney; e sobretudo o personagem Waldo Lydecker, um dandy cínico e amoral, vagamente inspirado no crítico teatral Alexander Woolcott, amigo de Dorothy Parker e membro de pleno direito do famoso grupo da Algonquin Round Table. Lydecker tem as melhores deixas do filme e é supinamente interpretado por Clifton Webb, no papel da sua vida. Exemplos de frases Lydeckerianas:

(ao mostrar a casa luxuosa): It's lavish, but I call it home.

ou: I'm not kind. I'm vicious. That is my secret charm.

ou, quando lhe perguntam se ele nunca mostrou sentimentos por ninguém: Let's put it this way: I would be sincerely sorry to see my neighbours children devoured by wolves.

Laura, para sempre.