SINATRA!
Uma enorme versão do Mestre para It's Alright With Me, de Cole Porter, mais uma canção de brilhantes ambiguidades afectivas. Aqui é cantada uptempo, com gosto e brilho. A sessão decorreu em meados dos anos 80, provavelmente para o álbum LA Is My Lady. Quincy Jones dirige uma all-star band, com saliência para a guitarra de George Benson. Sinatra, esse, abre o livro de como fazer swing: à frente, atrás e ao lado da orquestra, conforme o que lhe apetece, sílabas arrastadas, cortes enfáticos inesperados no fraseado, e a magnífica alteração final (que Porter abominaria!) do verso «It's the wrong lips» para o calão «It's the wrong chops». Sinatra está feliz, num dia feliz como o de hoje.
sexta-feira, fevereiro 02, 2007
quarta-feira, janeiro 31, 2007
ELOGIO DO ENNUI
E uma das mais brilhantes canções do mundo (It's a bore, letra de Alan Jay Lerner, música de Frederick Loewe), num dos melhores musicais de sempre (Gigi, de Vincent Minelli), baseado numa das mais maravilhosas e amorais histórias de todos os tempos (Gigi, de Colette).
«-Don't tell me Venice has no lure?
-Just a town without a sewer.»
E uma das mais brilhantes canções do mundo (It's a bore, letra de Alan Jay Lerner, música de Frederick Loewe), num dos melhores musicais de sempre (Gigi, de Vincent Minelli), baseado numa das mais maravilhosas e amorais histórias de todos os tempos (Gigi, de Colette).
«-Don't tell me Venice has no lure?
-Just a town without a sewer.»
segunda-feira, janeiro 29, 2007
DOS ARQUIVOS DO TRADUÇÃO SIMULTÂNEA, 2
O HOMEM HOJE ESTÁ IMPARÁVEL No fundo o que todos desejamos é paz. Talvez seja verdade, a filosofia estóica e oriental que diz que a abolição de todos os desejos é o mais perto da perfeição. Talvez. Mas depois, para que vale a pena viver ? A inquietação, seja em que forma vier, é das poucas armas para combater a injustiça de morrer, acredite-se ou não numa vida depois da morte. Ninguém pode estar sossegado se vive, pela simples razão de que se o estiver, não vive. Vinicius dizia: «O tempo de paz/não faz nem desfaz». E isto é só uma verdade simples que atravessa toda a condição humana. Na verdade, a Humanidade é um tubarão, que se parar, morre.
(publicado em Setembro de 2004. Ainda vale por aqui)
O HOMEM HOJE ESTÁ IMPARÁVEL No fundo o que todos desejamos é paz. Talvez seja verdade, a filosofia estóica e oriental que diz que a abolição de todos os desejos é o mais perto da perfeição. Talvez. Mas depois, para que vale a pena viver ? A inquietação, seja em que forma vier, é das poucas armas para combater a injustiça de morrer, acredite-se ou não numa vida depois da morte. Ninguém pode estar sossegado se vive, pela simples razão de que se o estiver, não vive. Vinicius dizia: «O tempo de paz/não faz nem desfaz». E isto é só uma verdade simples que atravessa toda a condição humana. Na verdade, a Humanidade é um tubarão, que se parar, morre.
(publicado em Setembro de 2004. Ainda vale por aqui)
CLIFFORD BROWN
Um dos raros registos vídeo (o único?) de uma actuação do maior trompetista de todos os tempos: Clifford Brown.Neste pequeno medley de Lady Be Good - Memories Of You (um burner e uma balada) nota-se desde logo a impossível clareza e precisão das frases, numa velocidade de execução e pensamento inacreditáveis.O solo em Lady Be Good é disso um excelente exemplo, com uma complexidade de estrutura inesperada e belíssima.
A lenda diz que Miles Davis suspirou de alívio quando Brown morreu. Não era para menos: em 4 anos apenas, trabalhando com Max Roach, acompanhando Helen Merrill ou Sarah Vaughan e também como líder dos seus próprios combos, a estrela de Brown brilhou com um imensíssimo fulgor. Junte-se a isto um repúdio ao estilo de vida errática de que Charlie Parker foi o mentor trágico e involuntário.Brown não se drogava, não bebia e o seu único vício era o xadrez. Esta aparição data de principios de 1956 e é particularmente comovente no final, quando Brown fala com terno orgulho do filho recém-nascido. Meses depois, em Junho, morre num acidente de viação quando ia para um concerto em Chicago. Tinha 25 anos. Deixou o jazz mais rico, e um estatuto ainda inatingível.
Um dos raros registos vídeo (o único?) de uma actuação do maior trompetista de todos os tempos: Clifford Brown.Neste pequeno medley de Lady Be Good - Memories Of You (um burner e uma balada) nota-se desde logo a impossível clareza e precisão das frases, numa velocidade de execução e pensamento inacreditáveis.O solo em Lady Be Good é disso um excelente exemplo, com uma complexidade de estrutura inesperada e belíssima.
A lenda diz que Miles Davis suspirou de alívio quando Brown morreu. Não era para menos: em 4 anos apenas, trabalhando com Max Roach, acompanhando Helen Merrill ou Sarah Vaughan e também como líder dos seus próprios combos, a estrela de Brown brilhou com um imensíssimo fulgor. Junte-se a isto um repúdio ao estilo de vida errática de que Charlie Parker foi o mentor trágico e involuntário.Brown não se drogava, não bebia e o seu único vício era o xadrez. Esta aparição data de principios de 1956 e é particularmente comovente no final, quando Brown fala com terno orgulho do filho recém-nascido. Meses depois, em Junho, morre num acidente de viação quando ia para um concerto em Chicago. Tinha 25 anos. Deixou o jazz mais rico, e um estatuto ainda inatingível.
domingo, janeiro 28, 2007
PEQUENAS ALEGRIAS DE UM CONVALESCENTE
«Aí sonhamos que um elefante se sentou de repente sobre o nosso peito e que um vulcão explodiu e nos atirou para o fundo do mar – com o elefante ainda a dormir, tranquilamente, em cima de nós. Acordamos com a ideia de que aconteceu algo realmente terrível. A primeira impressão é de que chegou o fim do mundo; depois achamos que isso não é possível e que são ladrões e assassinos, ou então um incêndio, e exprimimos esta opinião da maneira habitual. Ninguém nos vem ajudar, porém, e tudo quanto sabemos é que há milhares de pessoas a dar-nos pontapés e que estamos a ser estrangulados.
Mas parece que não somos os únicos metidos em sarilhos. Ouvimos gritos abafados que vêm debaixo da cama. Determinados a lutar pela vida, aconteça o que acontecer, agitamo-nos freneticamente, aos socos para a esquerda e para a direita, sem parar de gritar e, finalmente, alguma coisa cede e encontramo-nos com a cabeça ao ar livre. A meio metro de distância está um rufia meio nu à espera de nos matar e já nos estamos a preparar para travar com ele um combate de vida ou morte quando começa a fazer-se luz no nosso espírito:é o Jim.
-Ah! És tu! – diz ele, reconhecendo-nos no mesmo instante.
- Sim, sou eu – respondo, esfregando os olhos. – O que aconteceu?
- A maldita tenda caiu-nos em cima, acho eu – diz ele. – Onde está o Bill?
Então ambos erguemos as vozes e gritamos «Bill!» e o chão debaixo dos nossos pés oscila e treme, e a voz abafada que já tínhamos ouvido antes replica de entre as ruínas:
- Saem de cima de mim, ou quê? »
Lendo pela terceira vez (e primeira em português, na excelente tradução de Luísa Feijó) Three men in a boat (to say nothing of the dog), de Jerome K. Jerome
«Aí sonhamos que um elefante se sentou de repente sobre o nosso peito e que um vulcão explodiu e nos atirou para o fundo do mar – com o elefante ainda a dormir, tranquilamente, em cima de nós. Acordamos com a ideia de que aconteceu algo realmente terrível. A primeira impressão é de que chegou o fim do mundo; depois achamos que isso não é possível e que são ladrões e assassinos, ou então um incêndio, e exprimimos esta opinião da maneira habitual. Ninguém nos vem ajudar, porém, e tudo quanto sabemos é que há milhares de pessoas a dar-nos pontapés e que estamos a ser estrangulados.
Mas parece que não somos os únicos metidos em sarilhos. Ouvimos gritos abafados que vêm debaixo da cama. Determinados a lutar pela vida, aconteça o que acontecer, agitamo-nos freneticamente, aos socos para a esquerda e para a direita, sem parar de gritar e, finalmente, alguma coisa cede e encontramo-nos com a cabeça ao ar livre. A meio metro de distância está um rufia meio nu à espera de nos matar e já nos estamos a preparar para travar com ele um combate de vida ou morte quando começa a fazer-se luz no nosso espírito:é o Jim.
-Ah! És tu! – diz ele, reconhecendo-nos no mesmo instante.
- Sim, sou eu – respondo, esfregando os olhos. – O que aconteceu?
- A maldita tenda caiu-nos em cima, acho eu – diz ele. – Onde está o Bill?
Então ambos erguemos as vozes e gritamos «Bill!» e o chão debaixo dos nossos pés oscila e treme, e a voz abafada que já tínhamos ouvido antes replica de entre as ruínas:
- Saem de cima de mim, ou quê? »
Lendo pela terceira vez (e primeira em português, na excelente tradução de Luísa Feijó) Three men in a boat (to say nothing of the dog), de Jerome K. Jerome