quinta-feira, agosto 02, 2007

Queria dizer isto:
Já a meio caminho de ser perseguido pela costa vicentina por uma turba enfurecida munida de archotes, não resisto a mostrar a minha solidariedade anti-Farrow ao Tiago. Tudo o que diz respeito ao Mestre interessa-me, e andei a aqui a adiar um textículo, fascinado com o excelente post no Diário. Mas depois o Tiago cometeu o erro gravíssimo de divulgar um dos melhores segredos lisboetas: a colecção de dez cd's que se encontra na Worten a 5 euros. Ora isso, meu amigo, é passado de mail em mail, de boca em boca, de esgar em esgar; é um ritual mais do que maçónico, que requer códigos, contra-senhas, um livro do Dan Brown e a consequente adaptação para filme. Lamento, mas nessas coisas sou contra o serviço público. Repara: eu fui em boa hora avisado por mail desse tesouro por alguém a quem ainda não agradeci e que não irei linkar. É o que um iniciado deve fazer. Como o Steiner um dia há-de dizer, a melhor arte popular nunca deve ser popular.
Adiante: foram negros os anos do casório Farrow/Mestre. A efeba, enraizadinha no pior da pior contracultura de todos os tempos - o hippiesmo povo-que-lavas-no-rio-e- fazes- filhos-na-lama-de-Woodstock-ao-som-do-435º minuto-do-solo-de-Hendrix - só podia dar mau resultado.
O certo é que ninguém sabe o que aconteceu ao homem. Uma tardia crise de meia-idade? Um Jack Daniels estragado? Sinatra teve todas as mulheres que quis menos a que realmente queria, como os verdadeiros apaixonados. O que é certo é que nessa altura aparece com as famosas Nehru-shirts (camisas indianas, sem colarinho) a cantar Beatles e outros êxitos pop do tempo enquanto envergava o seu pior toupet. Por dentro, no entanto, o antigo Liberal empedernia-se. Desses tempos só o seu feroz anti-racismo permaneceu. Mas foi o primeiro a ameaçar cortar relações quando Sammy Davis Jr começou a consumir cocaína. Infelizmente, em casa tinha uma rapariga que fumava marijuana e lhe lia trechos de obscuros gurus indianos.
O livro Mr. S: my life with Frank Sinatra é o retrato desse tempo. Escrito pelo seu mordomo da altura, George Jacobs, é uma narrativa ingrata mas credível do dia-a-dia sinatriano. E c onta bem do enfatuamento (não sei se a palavra existe, mas anotem o belo anglicismo) que S. teve por Farrow para cedo descobrir quão trágico foi o seu erro. Não é que o seu modo de vida tenha mudado: todas as noites Sinatra recebia na sua casa de Los Angeles ou em Las Vegas senhoras profissionais a que tratava maravilhosamente apenas pedindo em troca que não fizessem muito barulho quando fechassem a porta. Na verdade o efeito Farrow durou pouco ou nada. Sinatra tinha vida a mais para a menina. Mesmo assim, manteve-se amigo depois da separação e ameaçou partir as pernas a quem a tratasse mal. Dizem que Woody Allen ainda hoje acorda a suar a meio da noite.

terça-feira, julho 31, 2007

Uma pequena pausa para ir até ali abaixo e já volto. Atendemos a partir das 03.30 da madrugada de 2 para 3 (tenda planeta Sudoeste), como poderão ver no cartaz.

Deus nos/vos ajude.
«Não somos felizes, nem nunca o iremos ser»
Este é o rosto que Antonioni me deixa: Lucia Bosé. Não Monica Vitti, perdida por vezes em idiossincracias superfluas em que ela própria colaborava. Este rosto: Lucia Bosé, e um filme, Cronaca Di Un Amore. Um filme trémulo, em passos de bebé, entre a herança do film noir americano e a balofa análise psicológica europeia.
Antonioni fez filmes muito bons depois deste. E muito maus também: o ridiculo Zabriskie Point é comédia involuntária e afunda-se nos dias em que foi feito. Mas esta história de adultério, de amores condenados como o próprio acto de viver é a minha lembrança pessoal que mais agradeço. Isso e a luz que vem de dentro de Lucia Bosé, rosto perfeito como nos filmes, só comparável à aurora boreal que é Gene Tierney (que teria sido a primeira escolha do realizador). Nem que seja por este rosto, valem as palavras.