segunda-feira, janeiro 29, 2007

DOS ARQUIVOS DO TRADUÇÃO SIMULTÂNEA, 2

O HOMEM HOJE ESTÁ IMPARÁVEL No fundo o que todos desejamos é paz. Talvez seja verdade, a filosofia estóica e oriental que diz que a abolição de todos os desejos é o mais perto da perfeição. Talvez. Mas depois, para que vale a pena viver ? A inquietação, seja em que forma vier, é das poucas armas para combater a injustiça de morrer, acredite-se ou não numa vida depois da morte. Ninguém pode estar sossegado se vive, pela simples razão de que se o estiver, não vive. Vinicius dizia: «O tempo de paz/não faz nem desfaz». E isto é só uma verdade simples que atravessa toda a condição humana. Na verdade, a Humanidade é um tubarão, que se parar, morre.

(publicado em Setembro de 2004. Ainda vale por aqui)

3 comentários:

Elisabete Joaquim disse...

Essa aparente incongruência entre a imperturbabilidade estóica e o impulso de sobrevivência de qualquer ser vivo é resolvida pela noção de concordância com a natureza. Isto é: o estóico nunca desiste de viver no momento porque isso seria contrário à natureza, mas no entanto não cria dependências a longo prazo de objectos efémeros pois essa dependência é também contrária à vida digna conforme à natureza.

Aquilo que disse seria mais facilmente subscrito por um budista de que por um estóico (não todos, é certo). Há poucos anos assisti a uma conferência de Mathieu Richard, o filho do filósofo Jean-François Revel, que, convertido em monge tibetano, se orgulhava de já não ter instinto de sobrevivência, comprovando-o com gráficos de actividade neurológica. Isso sim é desumano.

Pipinha disse...

A vida é feita de pequenas descobertas, e essas pequenas descobertas implicam inquitação. Se não se procuram novas descobertas em cada fracção infinitésimal de um segundo ficamos reduzidos à inquitação de nos sentirmos inúteis! Beijinhos!

Nuno Miguel Guedes disse...

Cara Ela, detectei nas suas palavras - com que de resto concordo no geral - um certo gostinho pelos Cínicos gregos. ou pelo menos um travo de Diógenes. Terei razão ? Mas o meu ponto mante´m-se intacto, penso eu: a inquietação é a nosaa única arma contra o «falhanço» evidente que é a vida (simplesmente porque morremos). Um filósofo francês, Sénancour, dizia que «se somos pó e ao pó vamos voltar, façamos disso uma injustiça». Nem mais.
Quanto ao caso bizarro que me conta do convertido monge, mudo-lhe o prefixo do seu adjectivo e escrevo não-humano. Obrigado pelo comentário.