Literatura, modo de usar
Uma pessoa vem de férias, ainda tem tempo para dar uma saltada a Glasgow e finalmente regressa à casa virtual para perceber que o tema do momento nos blogues mainstream (acabei de inventar, obrigado a todos) é a força da literatura nas vidas das pessoas. Eu percebo, há pouco que falar, embora a Inglaterra tenha para a semana dois jogos cruciais e o campeonato mundial de râguebi também esteja aí à porta.
Sobre o efeito dos livros na vida - e sobretudo a sua acção decisiva nesse verbo terrível, «mudar» - acredito ainda na formulação wildeana de que toda a arte é inútil, a que acrescento felizmente. É uma posição discutível, eu sei, mas por experiência própria nenhum livro maior ou menor (ou outra expressão artística, incluindo formas tão perfeitas e imediatas como as canções) me mudou a vida. Apenas a tornou mais suportável pelo prazer que me deu - um prazer egoísta, solitário e não transmissível, como todos os seguidores de Harold Bloom hão-de entender. E de repente, não estou a ver ninguém a quem uma leitura tenha provocado um terramoto no quotidiano, exceptuando místicos e homens-bomba. Poderá eventualmente dar uma consciência de vocação ou no meu caso (como acontece sempre que leio António Vieira ou Greene, por exemplo) uma cruel chacina de ilusões quanto a essa mesma vocação. Mas não mais do que isso. Na verdade, os únicos livros que mudam a nossa vida talvez sejam os que escrevemos.