segunda-feira, julho 16, 2007

Pois lamento muito, mas podeis ficar com os vossos Interpóis e as moças que querem vingança ou o patético agrupamento carnavalesco que se auto-intitula de Nova Vaga: eu fui ver Kurt Elling e a esperança na música com vida inteligente regressou.
Não digo isto por sobranceria ou em defesa da música que mais gosto, o jazz; digo-o em constatação simples e serena. Não conheço maior gratificação musical que ver quatro executantes soberbos divertirem-se em palco, fazendo apenas o que sabem fazer.
É verdade: Kurt Elling é, salvo melhor opinião, o melhor cantor de jazz de há mais de dez anos para cá (Kevin Mahogany também é enorme, mas tem mais blues na voz. E também por cá passou em estado de graça). O homem tem um espectro vocal impressionante que vai do seu natural registo de barítono para regiões inóspitas nos graves e apenas se notam cautelas nas notas mais altas - a que também chega se for preciso. O seu domínio do scat é extraordinário, a improvisação e o fraseado perfeitos, os textos sobre solos (cantou um sobre um famoso solo de Dexter Gordon) verdadeiros tour-de-force. O repertório vai dos standards às grandes canções esquecidas (My Foolish Heart, do álbum mais-que-perfeito This Time It's Love)passando pela bossa-nova (Rosa Morena, de Caymmi) e muito muito Jobim no original. Neste último aspecto, a sua rendição de Luísa, uma das canções mais complexas de cantar correctamente que conheço foi inexcedível. E ainda por cima o senhor é de uma simpatia anacrónica.
Claro que por melhor que cante nunca poderia alegrar ninguém se não estivesse bem acompanhado:Laurence Hobgood(p), Willie Jones III (bat) e sobretudo Rob Amster (cb) são pessoas que dá gosto ter ao lado. O contrabaixista foi particularmente notável, com dois solos extraordinários em que se revelou mestre da paráfrase e cultor da citação correcta (a Garota de Ipanema metida num medley Berlin/Jobim foi brilhante). Os arranjos de Hobgood são inesperados e deixam Elling brilhar sem artificialismos; na parte interpretativa, gostei da utilização das cordas do piano como guitarra rítmica.
Tudo para dizer que o concerto até nem foi extraordinário. Foi um bom momento de jazz mas sem enormes lampejos de génio. Mas pairou acima de tudo e todos, e pessoalmente valeu a espera de mais de dez anos.
Enfim, mas para que interessará esta conversa se o Sudoeste está aí a chegar com tantas coisas interessantes, não é ? Não, não é.