segunda-feira, julho 28, 2003

A TRAIÇÃO ? AJUDAS AO DEBATE 1 A propósito da traição, e das questões que ficaram por discutir, a Sara, minha estimada colega, abre as hostilidades com o seguinte mail:

"Aqui seguem as minhas dúvidas, surgidas (a quente) da leitura do teu post sobre a traição:
1)O traidor sente a culpa (obsessiva, dirias tu)?
2)Devem alguns homens condenar um homem, ainda que o façam em nome do Bem e do Mal (valores que ao contrário do que advogava o outro, existem sim senhor -e ainda bem que sim)?
3)A Sarah foi justa (se houve justiça no seu acto) só porque cumpriu o contrato que tinha feito? De que lhe valeu a ela ter feito o que fez ? (já sei, vais dizer que foi sublime?)"

Bom, vou fazer o que posso. O Tiago já respondeu, em parte, a estas questões nos seus posts. Em principio, o traidor sentirá sempre culpa - atraiçoar é um abandono violento e amargurado de principios ou sentimentos que em determinada altura se acreditou. Em termos ocidentais (judaico-cristãos), a culpa é mesmo inevitável, e como bem diz o Tiago outra vez, o caminho para a Salvação. Se é obsessiva, suponho que isso dependa do traidor. Mas que pelo menos é inapagável, isso tenho a certeza. Outra perspectiva interessante será a do traído. Mas isso é outra história, que como sabemos, Sara, já foi filmada por Wong-Kar Wai .

2) Em principio, ninguém teria o direito de julgar ninguém, pelo menos neste mundo. Mas em termos sociais, a não-condenação coincidiria com uma total ausência de valores, e portanto a anarquia. O problema é o do relativismo de valores: se eu faço o que reconheço ser o Bem noutro lugar que pratica um diferente sistema de valores (e que portanto para a mesma acção reconhece como o Mal), é justo que seja condenado ?

3) A Sarah que a Sara se refere é a personagem feminina do The End Of The Affair, livro maior de Greene. Por amor, esta pecadora voluntária, - uma adúltera que se aproxima da santidade no universo greeniano - pede a Deus que devolva a vida ao seu amante; em troca, promete nunca mais o ver ? e assim renunciar ao seu amor terreno e, ao mesmo tempo, a um pecado. A partir daí, e perante a incompreensão do amante, que nunca soube desta promessa, Sarah tudo faz para tentar odiar o Deus a quem se entregou. Se lhe valeu alguma coisa? Não neste mundo. E sim, querida Sara, foi um gesto sublime.

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