As coisas não precisam ser ditas
Por vezes penso que o único ditador de jeito seria Wittgenstein. Pronto, talvez não ditador (pelo que se sabe o mau feitio transformado em Estado não é fácil; e o bom então é insuportável), mas pelo menos ideólogo. O verdadeiro tirano, a que obedeceria sem pestanejar, seria Beckett.
O único respeitado, o pioneiro. Uma espécie de Cortez da linguagem, sem os massacres ou rios de sangue. Só o exemplo, só a certeza de que a linguagem só vale alguma coisa por ser a única maneira. E mesmo assim: bem a tentamos depurar, que nada. Bem a tentamos evitar que está quieto.
Ainda há pouco reparei num rosto, num olhar: o que me resta disso que poderei dizer? As palavras, num mundo ideal, serviriam apenas para apontar aquilo que não conseguimos dizer. O invisivel, o indizivel. Não é por acaso que existem poetas, ou escritores com quem nos identificamos. Será pelo que escrevem? Nunca: é sempre pelo que deixam de escrever.
Estou a pensar em hoje e agora: eu, que faço do que estais a ler o meu ganha-pão, não consegui nem nunca conseguirei dizer o que me estava na alma. E o drama é que nada mais basta: haja outros meios de expressão, que esbarrarremos sempre com o Ceci N’est Pas une Pipe. E não chega, não serve, mesmo para quem passeia por este teclado, por quem assobia pelas florestas de palavras alheias, por quem admira canções, por quem sempre procura nos outros aquilo que tragicamente os outros não foram capazes de dizer melhor do que aquilo que disseram.
Variações emocionais para Oscar Wilde, ainda a tempo de serem rectificadas: todas as palavras são inúteis.
É o que fica por dizer, mais nada.