sexta-feira, julho 25, 2003

AFORISMO MEDÍOCRE MAS SENTIDO DO DIA Nas ausências que se lamentam o tempo nada nos pode dar ou curar ; só quem faz falta.
O BEM,O MAL, A TRAIÇÃO Estou bastante satisfeito com as contribuições que leitores e amigos (ou ambos) tiveram a amabilidade de me enviar sobre o tema da traição (ver post abaixo). Estou a ler os mails atentamente, para poder responder ou simplesmente extrair os melhores pedaços e descaradamente colocá-los aqui.
Entretanto, houve uma pessoa a quem eu pedi especificamente opinião: o Tiago, da Voz do Deserto. A sua resposta veio na prosa balsâmica do costume, brilhante, certeira e com humor. Um acepipe:

«Reverente perante a tradução II
O homem é um ser-para-a-condenação desde o Génesis. Por isso a sua Salvação não fala do seu talento pessoal mas do escandaloso perdão de Deus. O livre-arbítrio parece-me um eufemismo, um natal é sempre que o homem quer, uma trôpega conveniência social. Judas fez o que tinha a fazer. O mestre até o apressou na tarefa.
Este tipo de coisas não nos estão reveladas. Falemos do último disco da Carla Bruni.»

E há mais, muito mais. Leiam, que faz bem.

quarta-feira, julho 23, 2003

A TRAIÇÃO Terminou ontem, discretamente, a série Cambridge Spies, que foi transmitida na RTP2. Contava a história dos quatro agentes duplos britânicos que serviram a União Soviética até à década de 50: Anthony Blunt, Donald Maclean, Guy Burgess e Kim Philby. Quase todos acabaram os seus dias na velha URSS, menos Blunt, membro da família real, que foi denunciado só nos anos 80 pelo governo de Thatcher. Morreu na vergonha, depois de ver ser retirado o seu Knighthood.
A série em si era linear, gráfica e estritamente narrativa, vivendo muito dos actores (impressionante ver Anthony Andrews, o Sebastian Flyte de Brideshead Revisited, em plena decadência física) ; para um anglófilo inveterado como eu, a coisa foi gratificante, porque me transportou a Cambridge dos anos 30, civilizadissima na sua decadência, politizada pela geração de marxistas aristocratas como Auden ou os quatro protagonistas. Mas o seu maior intertesse residiu para mim num tema que me é obsessivo (ou não fosse eu "apóstolo" de Graham Greene): a traição. Como se trai um amor, um país, um sexo, uma ideia, Deus ? Parece-me que esta condição – esta possibilidade – é o pilar de um pensamento neo-cristão que partilho, e que foi sobretudo propagandeado por Eliot (e Greene depois, numa luta contra a ortodoxia): a sublime capacidade do Homem para a Condenação (teológica, cristã), versus o índividuo condenado à Salvação. Fazer o Bem ou o Mal é diferente ou superior a fazer o Certo ou o Errado ? Gostava de trocar impressões sobre o assunto. Contribuições para major_scobie@hotmail.com
THE SADDAM FAMILY Two down, one to go.


PRAZERES SOLITÁRIOS Alguém me perguntou, há coisa de minutos, se eu tinha visto determinado "reclame" na televisão. Acresce que o inquiridor não tem ainda 50 anos, e utilizou o vocábulo sem ironia. Às vezes sinto-me tão sózinho na apreciação destas palavras perdidas, modos que se foram.

segunda-feira, julho 21, 2003

DO AMOR E DA AMIZADE; COMO UM LAMENTO "Digamos porque não se chama ao amor amizade. Entre as duas coisas há esta diferença: o amor é uma paixão que tem mais de desejo que de prazer; e a amizade é uma afeição reverente, ou um amor envergonhado, que tem mais de prazer que de desejo. O amigo pretende para o que sempre ama, e o amante para o que pode deixar de amar. Um cuida de si, outro descuida-se de si"

D.Francisco de Portugal, Arte da Galantaria (sec.XVII)
DEVE BLAIR DEMITIR-SE ? Simpatizo mais com Tories do que com o New Labour. Mas Blair já provou ser um estadista com dimensão, e à direita as alternativas são incipientes. Por isso, e apesar do embaraço, a resposta é "não". Uma opinião melhor e mais exaustiva do que esta pode ser lida com proveito aqui.
IMPRESSÕES DE VIGO Longa estrada. Os rostos cansados e maçados de todos os homens que acompanhavam mulheres e namoradas numa loja de lingerie feminina. A Estrella Galicia fresca, ao fim da tarde. O concerto do Rodrigo, composto. Os músicos em palco, felizes. A violinista Viviana Toupikova, que num impulso não resiste a levantar-se durante a versão vocal de Pasión. O Luís San Payo, que aproveita os seus dois tempos de pausa durante A Estrada para gritar o célebre "Nunca Mais!", frase de combate galega desde o Prestige. Não tinha avisado ninguém. Dois encores, a plateia de pé. O Rodrigo feliz, a encontrar-nos na assistência e a dizer-nos adeus, durante os agradecimentos. O Bar Chabola, tasca galega maravilhosa. O vinho nas malgas. A salada de polvo. A palavra de ordem da noite: Sokoino ("com calma", em russo), ensinada pela Viviana e com as naturais adaptações brejeiras. O San Payo a querer brindar de três em três minutos. A "Kournikova" a cantar o hino russo, já um pouco tocada. Os "orujos blancos", espécie de grappa potenciada ao nível do bagaço. Bebi três e fui feliz. O dono da Chabola, com quase 70 anos, a dizer que não devia haver fronteiras entre o Minho e a Galiza; a mostrar-me o retrato da familia real, assinado, e a confessar que "se não houvesse Rei, não havia Espanha". O bar La Iguana. Coisas que não posso contar. Estilhaços de amizade.

domingo, julho 20, 2003

BEM OBSERVADO Deixarei para amanhã algumas notas sobre Vigo. De repente, apenas me lembro de um diálogo que escutei, com dois amigos como protagonistas:
-Mas o que é que tu achas desta história da pedofilia ?
- Olha, para mim, venha o DIAP e escolha.

quinta-feira, julho 17, 2003

VOLTO JÁ Farei aqui um interregno. Vou ali a Vigo e já venho, para ver um concerto do Rodrigo Leão que, cumulativamente, assume a grande dificuldade de ser um dos meus melhores amigos. Domingo voltarei às lides, depois de um fim de tarde a perorar live na FNAC Cascais sobre...o Rodrigo Leão. (I'm a self-promoting bastard, aren't I ?)
HÁ PALAVRAS QUE NOS FALTAM E não beijam, como dizia O'Neill. Mas são melhores porque nos dizem o que não conseguimos escrever, só sentir. Estas são do Pedro, mas ao lê-las, são minhas também.

"LUGARES MARCADOS Devíamos mudar de nome e de nacionalidade quando os amores terminam. Os amores deixam pegadas nos sítios por onde passam; território proibido que não se apaga."
LISBOA, 00:45 AM Um bar, no Bairro Alto. Um casal de namorados, rondando os vinte anos. Conversam:
Ela (sorriso, tom maroto): Tu gostas de mamas grandes....
Ele: Não gosto delas pequenas. Isto responde à tua pergunta ?

Que venha o Armagedeão. Estou preparado.

quarta-feira, julho 16, 2003

RECADOS EM ATRASO E UMA SUGESTÃO Há coisas que uma pessoa tem como certas e que mais tarde se apercebe que ainda não as fez. foi o que me aconteceu ao não dar as boas vindas, a tempo e horas, ao Manuel Falcão, que costumo ler diariamente. Olá Manel ! Espero encontrar-te logo no São Luiz (às 22 horas) , onde irá cantar o único cantor de jazz nacional: o Kiko, que entretanto lançou um muito interessante primeiro disco: Raw. Vão ver, que não se arrependem.
HÁ ESPERANÇA ! Sei pela regressada Charlotte (pede ao teu marido que cante e dance o Make'em laugh, do Singin' in the rain: não há tristeza que resista) da existência de outro blogue de inspiração santoantonina: o Procuro Marido. É divertido, mas de facto perigoso: é que, querida Amélia, ao dizer que gosta do Júlio Isidro (e juntar uma foto do rapaz), está a dar esperança a milhões de homens, eu incluído.
KINDRED SOULS Fiquei especialmente satisfeito por ler que o Pedro Mexia não só nutre simpatias monárquicas (de que eu nunca suspeitaria ) como também partilha a minha desoladora visão da maioria dos folclóricos monárquicos portugueses. O Barrilaro dizia: "O que nos vale é que somos mais do que eles (republicanos convictos)", e essa verdade ainda se mantém. Agora, Pedro: vê lá se me linkas, homem, que até na tua crónica do jantar da UBL fui o único orfão de link! Eu quero ver este contador dar mais voltas do que uma slot machine de Las Vegas em noite de Frank Sinatra!

terça-feira, julho 15, 2003

HENRIQUE BARRILARO RUAS, IN MEMORIAM Fui hoje surpreendido com a notícia da morte do Professor Henrique Barrilaro Ruas. Ainda há pouco tempo eu rejubilava com os seus escritos, aqui na blogosfera. O Professor Barrilaro Ruas foi dos homens mais sábios, cultos, íntegros e Portugueses que tive o privilégio de conhecer e conviver. Com um imenso conhecimento de História, da Língua Portuguesa e da obra de Camões - é notável a edição anotada que fez aos Lusíadas -, o Professor Barrilaro Ruas era também um homem político que vivia um principio já anacrónico e reservado para os livros de cavalaria: a Honra.
Se hoje digo que sou monárquico, a ele muito o devo. Foi ele que me abriu os olhos para as vantagens do regime para Portugal e a falácia que era comparar a Monarquia com a ausência de Democracia (falácia, de resto, cultivada por todos os presidentes da República Portuguesa, com destaque para Mário Soares). Barrilaro Ruas foi um lutador, que ficou ao lado da oposição democrática ao regime de Salazar e Marcelo Caetano. Foi perseguido. Católico devoto, juntou a fé ao pensamento e à acção.
Quando fez parte do Directório do Partido Popular Monárquico (juntamente com Luís Coimbra e Gonçalo Ribeiro Telles) foi a única vez que terei sido tentado a filiar-me num partido político.
A sua acção politica e cívica nunca parou, quer em artigos (escrevia maravilhosamente - recordo um texto que lhe pedi sobre as tradições Santoantoninas lisboetas para a revista das Festas de Lisboa, que eu editava e era dirigida por Miguel Portas!), quer em associações como o Movimento Alfacinha. Lembro-me ainda da sua voz pontuada, de dicção límpida e quase teatral, que fascinava todos os que tiveram a sorte de o ter como docente. Não vou cair na frase fácil do "o país está mais pobre". Gostava que se lhe reconhecesse o mérito. Por mim, vou sentir a sua falta.

Nuno Miguel Guedes
A BOA ACÇÃO DO ANO Recebi um simpático mail d'O Cozinheiro, reconhecendo-me como padrinho involuntário do seu excelente blogue. Parece que tudo começou com uma conversa que tive com um amigo e colega de redacção, e onde ele me manifestou o desejo de iniciar um blogue gastronómico. Ora eu, que não sou insensível a esta matéria, adorei a ideia. O resultado lá está, mérito exclusivo do Francisco e da sua brilhante prosa e banda sonora culinária. Mas lá que estou um bocadinho orgulhoso, ai isso estou.

segunda-feira, julho 14, 2003

A PROPÓSITO DE CAMUS Não compreendo bem as leis que regem as «redescobertas» ou as «releituras» que subitamente atacam muita gente. Sei é que me submeto a elas, primeiro pensando ser original e depois descobrindo que meio mundo anda a fazer o mesmo. Foi o que aconteceu com Camus: acabei de reler O Homem Revoltado, voltei ao O Estrangeiro e reparo pela blogosfera que são vários os que discutem o mesmo. Até um cantor de jazz que entrevistei na passada semana me falava d'A Peste.
Bom: eu não sou suspeito de modismo . O Estrangeiro sempre foi um dos meus livros favoritos - embora tenha passado de um existencialismo do absurdo para uma perspectiva mais Greeneana das coisas -, e um paper que fiz no meu primeiro ano de faculdade, para a cadeira de Inglês (!) está em casa para o provar. O que me levou a procurar a banda sonora do tempo, onde claro, estão os The Cure, com Killing An Arab. O que não vem na letra é o sussurro de Robert Smith, quando diz "I'm Mersault". Nesses anos, todos o éramos.
PORQUE SERÁ ? Não sei porquê, mas todos os anos o 14 de Julho me provoca uma comichão estranha, um mal-à-l'aise, um je-ne-sais-quoi que me incomoda...
DIÁLOGO RECUPERADO DA SEMANA Do filme 'Bananas', de Woody Allen (1971)

Fielding/Allen: What do you mean I'm imature ? In what ways ?
Nancy/Louise Casser: Emotionally, sexually and intelectually.
Fieding/Allen: Yes, but in what other ways ?
SEGUNDO POEMA, PARA OUTRA DEDICATÓRIA DIFERENTE

DAWN
To wake, and hear a cock
Out of the distance, crying,
To pull the curtain back
And see the clouds flying -
How strange it is
For the heart to be loveless, and as cold as these.

Philip Larkin